Galileu Galilei, o pai da ciência, era Cristão
fé, história terça-feira, janeiro 06, 2009
Além de ser considerado o pai da ciência moderna, Galileu Galilei (1564-1642) entrou para a história como protagonista de um processo que opôs ciência (as descobertas astronômicas) e fé (as crenças da Igreja). Novos estudos revelam que essa história é bem complexa e envolveu até a relação pessoal entre o astrônomo e o papa da época. Em seu livro “Galileu - Pelo Copernicanismo e pela Igreja”, o físico e historiador italiano Annibale Fantoli esmiuça as pesquisas históricas mais recentes sobre o caso que afetou até a maneira pela qual a Igreja interpreta a Bíblia. O autor conversou com Galileu.
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O CATÓLICO: É errado pensar que Galileu era um livre pensador. Ele era católico e queria ser visto como tal. O seu objetivo era tornar a Igreja mais aberta à visão de mundo proposta por Copérnico. A Igreja apoiava as idéias sobre astronomia propostas por Aristóteles [filósofo grego] e Ptolomeu [astrônomo grego]. Aristóteles dizia que os corpos celestes, planetas e estrelas, eram feitos de uma matéria especial, que seria incorruptível e, por isso, imutável. Quando um amigo de Galileu, o cardeal Barberini, foi escolhido como o papa Urbano VIII, o astrônomo foi tomado por uma grande esperança de que o modelo copernicano poderia ser adotado pela própria Igreja. Por isso ele foi a Roma conversar com o papa e obteve permissão para escrever um livro apresentando os dois sistemas [batizado de "Diálogo sobre os Dois Sistemas Máximos do Mundo"]. Obteve a permissão, mas com a condição de não tomar uma posição como definitiva. Deveria apenas mostrar os prós e os contras de cada uma. Como crente na Igreja, o resultado do processo, que resultou na ordem para que abjurasse publicamente as idéias de Copérnico, foi um resultado muito, muito doloroso.
DRIBLANDO A BÍBLIA: O “caso Galileu” aconteceu porque a Igreja se baseou numa interpretação literal da Bíblia. No livro, há muitas passagens que sugerem que a Terra está parada, enquanto o Sol se move. Mas Galileu escreveu duas cartas famosas - uma para seu amigo Castelli e outra para Cristina, mulher do duque da Toscana - nas quais procurou demonstrar como o sistema copernicano e a Bíblia poderiam ser conciliados. Nelas afirmou que o livro segue o senso comum das pessoas. Nós realmente temos a impressão de que o Sol se move pelo céu ao longo do dia. Ele argumentava, no entanto, que não havia uma necessidade real de interpretar o texto bíblico literalmente. E, aos poucos, os desdobramentos do caso mostraram isso à Igreja. No final do século 19, o papa Leão XIII escreveu uma encíclica afirmando que a Bíblia não deveria ser interpretada literalmente. Ele havia adotado a visão de Galileu, sem no entanto mencioná-lo. O caso serviu para a Igreja como uma lição sobre a interpretação das escrituras.
O PAPA E O “DIÁLOGO”: Quando o papa Urbano VIII era ainda o cardeal Barberini, tinha uma relação muito boa com Galileu. Barberini não fazia uma oposição clara às idéias de Copérnico, nem se opunha à possibilidade de que, com sua pesquisa, Galileu um dia pudesse provar que o sistema copernicano estava correto. Mas, mesmo quando ainda tinham boas relações, o cardeal havia recomendado ao astrônomo que fosse prudente em relação ao modelo heliocêntrico [o Sol como centro]. O papa Pedro V havia declarado que o sistema copernicano era contrário às escrituras. A congregação responsável pela elaboração do índex [lista de livros considerados heréticos pela Igreja] expediu um decreto público sobre isso. Mesmo assim, Galileu continuou defendendo as idéias de Copérnico. Então recebeu a visita de outro cardeal, Belarmino, que o admoestou a não falar assim publicamente. Por isso, quando Galileu viu seu amigo Barberini elevado a papa, foi a Roma pedir a permissão para que pudesse escrever o livro.
Quando “Diálogo sobre Dois Sistemas” foi publicado, Urbano notou que Galileu não havia seguido a sua orientação. Pelo contrário. O texto defendia claramente a superioridade do sistema copernicano sobre o tradicional. O papa ficou furioso e sentiu-se traído. Por isso, Galileu foi chamado a Roma e, posteriormente, condenado.
TORTURA NUNCA: Quando foi julgado, Galileu tinha 70 anos, e a prática do Tribunal do Santo Ofício não era a de indicar a tortura de pessoas tão idosas. Nós temos todos os documentos originais que registram tudo o que aconteceu no último interrogatório do processo. Se a tortura houvesse ocorrido, haveria algum registro. Os documentos mostram que ele passou pela Territio verbalis, que era uma ameaça verbal de tortura. Hoje temos quase certeza de que ele não foi fisicamente torturado.
“E PUR SI MUOVE”: A história de que ele teria dito “E pur si muove” (e, no entanto, ela se move) após a abjuração é falsa. Surgiu no século 19. Essa seria uma atitude muito, muito perigosa. A abjuração o livrou da acusação de suspeita de heresia. Mas, se ele voltasse a defender o sistema copernicano, seria declarado relapsus, isto é, alguém que voltou a se envolver com heresia. E naqueles dias qualquer relapsus ia para a fogueira.
A BÊNÇÃO, JOÃO DE DEUS: Após a morte de Galileu, o duque da Toscana sugeriu a construção de um memorial em sua homenagem. Logo o papa Urbano VIII fez saber que não era uma boa idéia erigir um monumento para alguém que sustentara idéias tão perigosas para a Igreja, e o duque desistiu. Posteriormente, o papa morreu, mas a oposição da Igreja impediu que o monumento fosse construído. No século 17, o trabalho de Isaac Newton ajudou a consolidar o sistema copernicano, e ele logo passou a ser usado universalmente pelos astrônomos. Mas a Igreja manteve os livros de Copérnico e de Galileu no índex de obras proibidas até o século 19. A Igreja sabia que havia cometido um erro, mas não queria admitir, para não chocar os cristãos.
E, quando os livros saíram do índex, não houve anúncio oficial. Só no último quarto do século é que o papa João Paulo II reconheceu que houve excessos no processo e admitiu não só a grandeza de Galileu no plano científico, mas sua capacidade de enxergar longe no plano teológico.
Via: Notícias Cristãs