Cursos de noivos da Igreja Católica falam de sexo, camisinha e pílula em SP
Católico, religião segunda-feira, abril 27, 2009
Médicos e casais que dão palestras nos cursos falam abertamente nos temas sem, necessariamente, destacar o que a religião considera como certo ou errado. “Temos que abordar todos os assuntos relativos ao casamento. Falamos o que existe. Não podemos fechar os olhos, estamos em 2009”, explica Stella Veloso, que faz parte da organização do curso ministrado na Paróquia São Luís Gonzaga, na Avenida Paulista.
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O curso tem palestras de um casal que fala sobre diálogo no casamento, uma médica que alerta para doenças sexualmente transmissíveis e métodos contraceptivos, um senhor que discorre sobre vida sexual e o padre explica aos noivos sobre o sacramento religioso.
“É um curso realista”, define o advogado Bruno Casagrande e Silva, de 28 anos, que fez o curso em março na Paróquia São Luís Gonzaga. Ele disse ter se surpreendido com os temas abordados nas palestras. “Um dos palestrantes falou em zonas erógenas do homem e da mulher, da importância do casal conhecer essas zonas e de ter uma vida sexual saudável e frequente”, contou ele. “É uma inovação porque a Igreja Católica tem uma visão repressora da vida sexual, não acompanha as mudanças da sociedade”, afirmou. “Eles falaram sem falso moralismo, sem pregação ideológica”, afirmou a noiva dele, a bacharel em direito Daiana Costa Beber, de 24 anos. Eles vão casar em 12 de setembro em Mato Grosso, estado natal de Daiana, e onde o casal se conheceu.
Um veterano nesse tipo de curso, o administrador de empresas aposentado José Catarinacho, de 72 anos, é quem dá a palestra sobre sexo no encontro de noivos da Igreja do Calvário, em Pinheiros, na Zona Oeste da capital, há cerca de 10 anos. Ele aborda o tema de forma bem humorada e conta até piada para os frequentadores.
“O sexo é um assunto natural, é prazer, alegria do casal”, diz ele, que também desenha um gráfico no quadro para mostrar a diferença do estímulo sexual de homens e mulheres. “Mostro que a mulher tem que ser mais trabalhada [no ato sexual] para os dois terem prazer na relação. Comparo a mulher a um fogão a lenha onde a chapa demora mais a esquentar e a esfriar também. Já o homem é como uma panela de pressão”, explica. Catarinacho é casado há 50 anos, tem três filhos, quatro netos e diz ser uma pessoa de mente aberta. “Na vida você tem que ir se atualizando, aprendendo, só não pode mudar os valores”, afirma.
A paróquia promove quatro encontros de noivos por ano. No último, realizado neste mês, 12 casais se inscreveram para ajudar a promover futuros cursos. Uma dessas pessoas foi a representante comercial Viviane Falsi Azevedo, de 28 anos. “Achei que o curso ia falar só coisas da igreja de 50 anos atrás e foi diferente”, afirmou. “É importante falar de sexo até porque algumas pessoas não conversam isso em casa e uma vida sexual ruim pode acabar um casamento”, acrescentou. Viviane está com casamento marcado para setembro deste ano.
Já a advogada Alessandra Porcino Fracaro, de 31 anos, optou por um curso de quatro horas numa igreja tradicional da Zona Oeste da cidade e disse que não acataria a recomendação da médica que fez a palestra e enfocou só a tabelinha como método contraceptivo. “Acho a tabelinha arriscada para quem quer programar o melhor momento para a vinda de um filho”, comentou. Alessandra fez o curso em agosto do ano passado e casou em dezembro. Segundo ela, o mais importante da aula para o seu casamento foi o relato da experiência de um casal mais velho. “Eles falaram sobre a questão da tolerância que é importante na vida a dois”.
Métodos contraceptivos
Um assunto polêmico na Igreja, os métodos contraceptivos são abordados no curso em geral por médicos que falam sobre todas as formas de planejamento familiar. Eles costumam explicar os métodos sem indicar qual deve ser usado. “A Igreja Católica aprova só a tabela, mas acho que é antifisiológico na época que a mulher está mais excitada ela se abster [de sexo]. Se Deus fez a coisa, fez a coisa certa para ter fisiologia”, afirma o ginecologista e obstetra Jorge Naufal, de 70 anos, que dá curso de noivos há 10 anos na Paróquia Santuário Nossa Senhora Aparecida, em São Caetano do Sul, no ABC.
Naufal conta que, há cerca de um ano, foi pressionado a falar na aula só o que a igreja recomenda, mas se recusou a continuar no curso desta forma. “Qualquer método contraceptivo é válido. O casal deve escolher o que acha melhor”, afirmou. “Como médico tenho que falar sobre tudo. Mais cedo ou mais tarde a igreja vai acabar mudando. Tem que ter flexibilidade”, acrescentou. O administrador de empresas Pedro Carvalho, de 40 anos, um dos organizadores do curso da igreja de São Caetano, diz que a recomendação é que seja enfatizado que a igreja recomenda a tabelinha e a fidelidade entre os casais.
Para Catarinacho, cabe ao casal decidir o método contraceptivo. “A igreja é contra o sexo promíscuo. É a favor da vida, contra o aborto”, defende. O padre Alcides Bassani, responsável pelo encontro de noivos da Igreja do Calvário, concorda. “Nós não impomos nada”, diz o padre, que afirma assistir a todas as palestras do curso e não vê contradição entre o que é abordado e as normas da igreja. Sobre a palestra de sexo, o padre diz que o tema deve ser abordado. “Não devemos ter vergonha de fazer o que Cristo não teve vergonha de criar”, afirmou.
A programação dos cursos, em geral, é elaborada segundo diretrizes determinadas pela comissão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) responsável sobre vida e família. De acordo com Dom Antonio Augusto Dias Duarte, de 60 anos, que faz parte dessa comissão, todos os temas devem ser tratados segundo as normas da Igreja Católica, incluindo o sexo no casamento e métodos contraceptivos. O bispo não vê problema em abordar todos os tipos, mas diz que o curso deve enfocar os naturais. “A igreja aconselha os casais a usar os métodos que melhor contribuam para a saúde deles, do casamento e do momento de transmissão da vida. Os métodos que têm essas três condições são os naturais”, diz o bispo, que é formado em medicina.
Segundo ele, a igreja dá informação com formação ética e as pessoas são livres para escolher o que acham melhor. “A igreja ilumina as consciências para que cada um possa agir com liberdade e responsabilidade”.
O G1 procurou a Paróquia São Luíz Gonzaga e um padre indicado pela Cúria Metropolitana para falar sobre o assunto, mas não teve retorno até o horário de publicação dessa matéria.
Fonte: G1