Matéria da Semana - Pedofilia: o calcanhar de Aquiles da Igreja Católica no século 21
Matéria da semana domingo, maio 30, 2010
Escândalos provocados pelos casos de abuso sexual cometidos por sacerdotes no mundo inteiro geram uma crise sem precedentes no Vaticano. Teólogos e membros influentes da própria Igreja Católica defendem fim do celibato.
Pavor e sensação de traição. Assim se expressou o Papa Bento XVI ao falar sobre os casos de pedofilia envolvendo padres católicos na Irlanda, em Carta Pastoral, publicada no dia 19 de março deste ano. E como se sentem as vítimas, não só na Irlanda, mas também de outros países, onde foram registrados casos de abusos sexuais contra menores com envolvimento de membros da Igreja? O pavor e a sensação de traição são muito maiores, já que elas foram violadas por quem pregava a Palavra de Deus.
Além da Irlanda, ao longo dos últimos anos, uma sucessão de denúncias de pedofilia envolvendo clérigos de diversas partes do planeta veio à tona, desencadeando uma crise de dimensões nunca antes vista no Vaticano. Sempre moralista, e até retrógrada, na opinião de muitos, quando se trata de discussões polêmicas – como o uso de preservativos, o aborto, a eutanásia, entre outros assuntos – a Cúria Romana, que sempre se sentiu à vontade para botar o dedo na cara da sociedade, hoje, está em xeque, pois a reserva moral de seus sacerdotes está se esgotando.
Nos Estados Unidos – onde mais de 4 mil padres americanos foram acusados de pedofilia nos últimos 50 anos – e na Alemanha, a situação é grave. O jornal norte-americano “The New York Times” fez uma grave denúncia, recentemente. Segundo o periódico, em 1996, o então cardeal Joseph Ratzinger, que sucedeu o Papa João Paulo II, em 2005, ignorou cartas vindas de clérigos norte-americanos acusando um padre do estado de Winsconsin de molestar sexualmente menores.
Em solo germânico, terra de Bento XVI, o governo, de acordo com a “BBC”, vai formar uma comissão para investigar as milhares de denúncias de abusos envolvendo padres alemães. O cerco está se apertando em países europeus como Itália, Holanda, Suíça, Bélgica e Áustria. No Brasil, muitos casos foram revelados nos últimos tempos. O mais recente, envolve um padre de 84 anos, que foi preso por ter relações sexuais com coroinhas e usar dinheiro arrecadado dos fiéis para assediar outros adolescentes, em Arapiraca, Alagoas. O Vaticano informou, em 2009, que cerca de 1,7 mil padres no País estão envolvidos em casos de má conduta sexual, o que inclui abusos contra crianças e também contra mulheres.
Em meio ao flagelo da pedofilia, que tem ferido a honra católica neste início de século, diversas correntes, entre teólogos e membros da própria Santa Sé, defendem o fim do celibato – voto de castidade –, que foi, inicialmente, imposto no ano 300 d.C. (depois de Cristo), durante o Concílio de Elvira, quando foi imposta a “abstinência sexual sob pena de degradação”. O celibato só foi definido como regra no Concílio de Trento (ilustração ao lado), que se realizou entre os anos de 1545 e 1563.
Cardeais importantes e de muito prestígio como Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, e Carlo Maria Martini, que era um dos favoritos no Conclave (eleição para Papa) de 2005, defendem, publicamente, um debate sobre o celibato. Já o renomado teólogo suíço Hans Küng, que foi colega de Joseph Ratzinger na faculdade, em artigo publicado pelo jornal francês “Le Monde”, disse que, no Evangelho, o celibato “não pode ser considerado senão como uma vocação livremente consentida, e não como uma lei universalmente constrangedora”. Autor de obras consagradas, como “O Cristianismo – Essência e História”, Küng afirmou, ainda, que “é o celibato, erigido em regra, que contradiz o Evangelho e a tradição do catolicismo primitivo”.
“No que tange aos Evangelhos, o celibato só pode ser afirmado como uma vocação adotada por livre escolha, e não como lei de aplicação geral. O apóstolo Paulo contradisse enfaticamente aqueles que, em sua era, assumiram a posição de que ‘é correto que um homem não toque uma mulher’, replicando que, ‘devido a casos de imoralidade sexual, cada homem deveria ter sua mulher, e cada mulher deveria ter seu marido’ (1 Coríntios 7:1-2). De acordo com a ‘rimeira Epístola a Timóteo, ‘um bispo deve ser irreprochável, quer dizer, marido de uma só mulher’ (1 Timóteo 3:2). O texto não afirma ‘marido de mulher nenhuma’. Convém, por tudo isso, abolir o celibato”, defendeu o teólogo suíço.
Ainda de acordo com Hans Küng, a regra do celibato praticamente não existiu durante o primeiro milênio da igreja. “A introdução no Ocidente aconteceu no século 11, por monges (que optaram livremente pelo celibato), especialmente o papa Gregório 7º, e foi implementada contra a vigorosa oposição do clero na Itália e na Alemanha – onde a oposição era tão feroz, que apenas três bispos ousaram promulgar o decreto romano. Milhares de padres protestaram contra a nova lei. Em petição, os líderes católicos germânicos objetivaram: ‘Será que o papa não reconhece a Palavra do Senhor (“que isso seja aceito por aqueles que o desejem”)?’ Nessa declaração, a única a respeito do celibato que existe nos Evangelhos, Jesus fala, claramente, em favor da livre escolha de um estilo de vida”, revelou.
Igreja Católica tem padres casados no Oriente
O brasileiro Leonardo Boff, teólogo, escritor e ex-membro da Ordem dos Frades Menores, os Franciscanos, fez uma revelação um tanto surpreendente e que reflete todo seu descontentamento com a liderança católica. “Não quero mais falar sobre o celibato. É um assunto encerrado para mim. A igreja fechou a questão. Por mais escândalos que aconteçam, dificilmente, a hierarquia da Igreja vai mudar”, revelou, um resignado Boff.
Em virtude da publicação do livro “Igreja, Carisma e Poder”, que expôs questionamentos seus sobre o alto escalão do Vaticano, ele foi condenado, em 1985, pela Congregação para a Doutrina da Fé, então presidida pelo Cardeal Ratzinger, a 1 ano de “silêncio obsequioso”, que culminou na perda de sua cátedra e funções editoriais na Igreja Católica. Sete anos depois, após a ameaça de uma nova punição, o teólogo abandonou o sacerdócio. Sobre Bento XVI, Leonardo Boff tem inúmeras críticas em relação a seu pontificado.
“Um professor como ele, de teologia acadêmica de uma universidade alemã, não é talhado para dirigir, coordenar e animar uma comunidade de mais de 1 bilhão de pessoas. Falo isso porque assisti suas aulas. Ele não consegue deixar de ser professor. Falta-lhe quase tudo, especialmente carisma”, opinou.
É importante ressaltar que a imposição da conduta celibatária não se prolongou até as igrejas católicas do Oriente, onde existem padres que não são celibatários, que são reconhecidas pelo Vaticano, ficando o celibato obrigatório apenas para o episcopado – na Igreja Católica de rito oriental, somente podem ser consagrados bispos os sacerdotes castos. O Direito Canônico impõe o celibato a todos os sacerdotes da Igreja Católica latina.
No Brasil, desde 1978, há um grupo de padres casados que lutam pelo direito de serem reconhecidos como legítimos sacerdotes católicos. Segundo seu presidente, José Edson da Silva, o Movimento das Famílias dos Padres Casados (MFPC), que conta com 5 mil membros, milita pelo reconhecimento de seu ministério, implantação do celibato opcional na Igreja Católica Romana e valorização do papel da mulher na Igreja.
“Penso que todos os candidatos ao sacerdócio têm o entendimento da obrigatoriedade de uma vida celibatária, mas acredito que o ser humano, por necessidades biológicas e afetivas, irá sentir falta de uma vivência sexual”, disse Mariano.
Já o padre Jesus Hortal Sánchez (foto ao lado), reitor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, não se opõe à discussão do celibato, mas acredita que isso pouco resolveria a questão da pedofilia.
“Os casos de pedofilia não têm nada a ver com o celibato. A maioria dos incidentes acontece no seio dos lares das famílias. Atribuir a pedofilia ao matrimônio seria uma barbaridade. A discussão pode ser feita, mas o celibato é outra questão à parte. Pode-se discutir a conveniência ou não do celibato, que é uma tradição da Igreja Católica de rito latino, que se estabeleceu, em grandíssima parte, por conveniência da ação pastoral. Ou seja, pela necessidade de se ter um clero absolutamente dedicado ao ministério pastoral. Se alguém quer se dedicar plenamente e falta com sua palavra é um traidor. Por isso, já digo: você pode discutir (o celibato) justificando a natureza humana, mas não pela pedofilia”, ratificou Hortal.
Segundo o reitor da PUC-Rio, há um certo “machismo” na discussão sobre a imposição do celibato aos padres. “Enquanto não houver um estudo mais profundo sobre a permissão do casamento de sacerdotes, e se isso vai resultar num melhor entendimento pastoral, eu acho que não se deve mudar nada. Não há estudos bem claros sobre isto, com toda sinceridade. Além disso, há dois pontos que me chamam a atenção. Primeiro: escândalos na vida matrimonial acontecem entre pastores protestantes com bastante frequência. O clérigo casado teria o mesmo problema. Segunda questão: por que falam tanto do celibato sacerdotal e ninguém questiona o celibato das freiras, que são muito mais numerosas na organização da Igreja? É uma clara manifestação do infeliz machismo presente na nossa sociedade. A mulher pode, o homem não? O homem é macho, não pode ficar sem uma fêmea ao seu lado, pensa a maioria”, reiterou.
O padre, que também é teólogo, considera o sexo um complemento do casamento, não sua única finalidade. “Numa sociedade hiperssexualizada como a nossa, onde o sexo – como puro mecanismo fisiológico de procura do prazer, sem envolvimento afetivo e de entrega da pessoa – foi elevado à categoria de valor supremo, os escândalos de todos os tipos, dentro e fora da família, do clero ou de qualquer outro grupo continuarão a pipocar, cada vez com maior força. Urge, por isso, a necessidade de se resgatar o autêntico sentido do amor humano de doação no matrimônio.”
Durante visita a Santiago do Chile, em abril deste ano, o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, atribuiu ao homossexualismo os casos de pedofilia na Igreja. “Muitos psicólogos e muitos psiquiatras demonstraram que não há relação entre o celibato e a pedofilia, mas muitos outros constataram que há relação entre a homossexualidade e a pedofilia”, declarou.
Vaticano faz mea culpa
Segundo o professor Jorge Cláudio Ribeiro, doutor e professor em teologia da PUC de São Paulo, as religiões sempre foram altamente afetadas pelas transformações e, por isso, elas têm que acompanhar o tempo. “As religiões têm que dizer alguma coisa para as pessoas. Elas precisam acompanhar o tempo, senão perdem seus seguidores. O catolicismo tem suas variações, mas ainda é muito centralizado. Atualmente, fica claro que, numa sociedade pluralista, inclusive no campo religioso, fica muito difícil a Igreja Católica se afirmar como a única dona da verdade. A liberdade religiosa é um direito humano. O próprio Vaticano já não tem mais a ideia de que o mundo tem que ser acolhido sob o manto da Igreja Católica, até porque isso é impraticável”, afirmou.
Ribeiro cita os fortes questionamentos do bispo emérito Dom Clemente Isnard, de 92 anos, que, em seu livro “Reflexões de um Bispo – sobre as instituições eclesiásticas atuais”, se posiciona a favor da abolição do celibato, da ordenação de sacerdotisas e do uso da camisinha – como instrumento de prevenção contra doenças –, para mostrar a preocupação de muitos clérigos com a resistência da Santa Sé.
“Dom Clemente Isnard é um bispo respeitadíssimo. Um arcebispo emérito. Ninguém toca nele. Ele defende que a melhor solução para o recrutamento de futuros padres é abolir a regra do celibato, que é a raiz de todos esses males, e permitir a ordenação de mulheres, e que os bispos sabem disso, mas não têm coragem de admitir em público. Em minha opinião, com essa ideia (da Igreja Católica) de ser a única verdade, não foi à luta. Não reconheceu a concorrência. Ela ficou muito, e a ainda está, acomodada. Essa acomodação marcou o quanto a Igreja demorou a tomar uma atitude numa questão que a feriu mortalmente, que é a pedofilia. E é um problema que já acontecia há décadas”, concluiu.
Ao final da 48ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizada neste mês, a entidade, através de um documento, pediu perdão às vítimas de abusos sexuais cometidos por padres e bispos nos últimos anos. No texto, os líderes católicos do País defendem, ainda, a apuração rápida dos crimes e prometem rigor na ordenação de futuros eclesiásticos.
O papa Bento XVI assegurou, durante missa realizada em Malta, na Europa, no mês passado, que a Igreja “está fazendo e continuará fazendo” tudo o que estiver ao seu alcance para investigar as acusações, levar à Justiça os responsáveis pelos abusos e implantar medidas efetivas para preservar os jovens.
A reportagem tentou entrar em contato com os arcebispos do Rio de Janeiro e Minas Gerais, mas as assessorias de imprensa de ambas as arquidioceses alegaram que, por conta de inúmeros compromissos e viagens, os dois líderes não teriam como dar entrevistas.
Pavor e sensação de traição. Assim se expressou o Papa Bento XVI ao falar sobre os casos de pedofilia envolvendo padres católicos na Irlanda, em Carta Pastoral, publicada no dia 19 de março deste ano. E como se sentem as vítimas, não só na Irlanda, mas também de outros países, onde foram registrados casos de abusos sexuais contra menores com envolvimento de membros da Igreja? O pavor e a sensação de traição são muito maiores, já que elas foram violadas por quem pregava a Palavra de Deus.
Além da Irlanda, ao longo dos últimos anos, uma sucessão de denúncias de pedofilia envolvendo clérigos de diversas partes do planeta veio à tona, desencadeando uma crise de dimensões nunca antes vista no Vaticano. Sempre moralista, e até retrógrada, na opinião de muitos, quando se trata de discussões polêmicas – como o uso de preservativos, o aborto, a eutanásia, entre outros assuntos – a Cúria Romana, que sempre se sentiu à vontade para botar o dedo na cara da sociedade, hoje, está em xeque, pois a reserva moral de seus sacerdotes está se esgotando.
Nos Estados Unidos – onde mais de 4 mil padres americanos foram acusados de pedofilia nos últimos 50 anos – e na Alemanha, a situação é grave. O jornal norte-americano “The New York Times” fez uma grave denúncia, recentemente. Segundo o periódico, em 1996, o então cardeal Joseph Ratzinger, que sucedeu o Papa João Paulo II, em 2005, ignorou cartas vindas de clérigos norte-americanos acusando um padre do estado de Winsconsin de molestar sexualmente menores.
Em solo germânico, terra de Bento XVI, o governo, de acordo com a “BBC”, vai formar uma comissão para investigar as milhares de denúncias de abusos envolvendo padres alemães. O cerco está se apertando em países europeus como Itália, Holanda, Suíça, Bélgica e Áustria. No Brasil, muitos casos foram revelados nos últimos tempos. O mais recente, envolve um padre de 84 anos, que foi preso por ter relações sexuais com coroinhas e usar dinheiro arrecadado dos fiéis para assediar outros adolescentes, em Arapiraca, Alagoas. O Vaticano informou, em 2009, que cerca de 1,7 mil padres no País estão envolvidos em casos de má conduta sexual, o que inclui abusos contra crianças e também contra mulheres.
Em meio ao flagelo da pedofilia, que tem ferido a honra católica neste início de século, diversas correntes, entre teólogos e membros da própria Santa Sé, defendem o fim do celibato – voto de castidade –, que foi, inicialmente, imposto no ano 300 d.C. (depois de Cristo), durante o Concílio de Elvira, quando foi imposta a “abstinência sexual sob pena de degradação”. O celibato só foi definido como regra no Concílio de Trento (ilustração ao lado), que se realizou entre os anos de 1545 e 1563.
Cardeais importantes e de muito prestígio como Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, e Carlo Maria Martini, que era um dos favoritos no Conclave (eleição para Papa) de 2005, defendem, publicamente, um debate sobre o celibato. Já o renomado teólogo suíço Hans Küng, que foi colega de Joseph Ratzinger na faculdade, em artigo publicado pelo jornal francês “Le Monde”, disse que, no Evangelho, o celibato “não pode ser considerado senão como uma vocação livremente consentida, e não como uma lei universalmente constrangedora”. Autor de obras consagradas, como “O Cristianismo – Essência e História”, Küng afirmou, ainda, que “é o celibato, erigido em regra, que contradiz o Evangelho e a tradição do catolicismo primitivo”.
“No que tange aos Evangelhos, o celibato só pode ser afirmado como uma vocação adotada por livre escolha, e não como lei de aplicação geral. O apóstolo Paulo contradisse enfaticamente aqueles que, em sua era, assumiram a posição de que ‘é correto que um homem não toque uma mulher’, replicando que, ‘devido a casos de imoralidade sexual, cada homem deveria ter sua mulher, e cada mulher deveria ter seu marido’ (1 Coríntios 7:1-2). De acordo com a ‘rimeira Epístola a Timóteo, ‘um bispo deve ser irreprochável, quer dizer, marido de uma só mulher’ (1 Timóteo 3:2). O texto não afirma ‘marido de mulher nenhuma’. Convém, por tudo isso, abolir o celibato”, defendeu o teólogo suíço.
Ainda de acordo com Hans Küng, a regra do celibato praticamente não existiu durante o primeiro milênio da igreja. “A introdução no Ocidente aconteceu no século 11, por monges (que optaram livremente pelo celibato), especialmente o papa Gregório 7º, e foi implementada contra a vigorosa oposição do clero na Itália e na Alemanha – onde a oposição era tão feroz, que apenas três bispos ousaram promulgar o decreto romano. Milhares de padres protestaram contra a nova lei. Em petição, os líderes católicos germânicos objetivaram: ‘Será que o papa não reconhece a Palavra do Senhor (“que isso seja aceito por aqueles que o desejem”)?’ Nessa declaração, a única a respeito do celibato que existe nos Evangelhos, Jesus fala, claramente, em favor da livre escolha de um estilo de vida”, revelou.
Igreja Católica tem padres casados no Oriente
O brasileiro Leonardo Boff, teólogo, escritor e ex-membro da Ordem dos Frades Menores, os Franciscanos, fez uma revelação um tanto surpreendente e que reflete todo seu descontentamento com a liderança católica. “Não quero mais falar sobre o celibato. É um assunto encerrado para mim. A igreja fechou a questão. Por mais escândalos que aconteçam, dificilmente, a hierarquia da Igreja vai mudar”, revelou, um resignado Boff.
Em virtude da publicação do livro “Igreja, Carisma e Poder”, que expôs questionamentos seus sobre o alto escalão do Vaticano, ele foi condenado, em 1985, pela Congregação para a Doutrina da Fé, então presidida pelo Cardeal Ratzinger, a 1 ano de “silêncio obsequioso”, que culminou na perda de sua cátedra e funções editoriais na Igreja Católica. Sete anos depois, após a ameaça de uma nova punição, o teólogo abandonou o sacerdócio. Sobre Bento XVI, Leonardo Boff tem inúmeras críticas em relação a seu pontificado.
“Um professor como ele, de teologia acadêmica de uma universidade alemã, não é talhado para dirigir, coordenar e animar uma comunidade de mais de 1 bilhão de pessoas. Falo isso porque assisti suas aulas. Ele não consegue deixar de ser professor. Falta-lhe quase tudo, especialmente carisma”, opinou.
É importante ressaltar que a imposição da conduta celibatária não se prolongou até as igrejas católicas do Oriente, onde existem padres que não são celibatários, que são reconhecidas pelo Vaticano, ficando o celibato obrigatório apenas para o episcopado – na Igreja Católica de rito oriental, somente podem ser consagrados bispos os sacerdotes castos. O Direito Canônico impõe o celibato a todos os sacerdotes da Igreja Católica latina.
No Brasil, desde 1978, há um grupo de padres casados que lutam pelo direito de serem reconhecidos como legítimos sacerdotes católicos. Segundo seu presidente, José Edson da Silva, o Movimento das Famílias dos Padres Casados (MFPC), que conta com 5 mil membros, milita pelo reconhecimento de seu ministério, implantação do celibato opcional na Igreja Católica Romana e valorização do papel da mulher na Igreja.
“Penso que todos os candidatos ao sacerdócio têm o entendimento da obrigatoriedade de uma vida celibatária, mas acredito que o ser humano, por necessidades biológicas e afetivas, irá sentir falta de uma vivência sexual”, disse Mariano.
Já o padre Jesus Hortal Sánchez (foto ao lado), reitor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, não se opõe à discussão do celibato, mas acredita que isso pouco resolveria a questão da pedofilia.
“Os casos de pedofilia não têm nada a ver com o celibato. A maioria dos incidentes acontece no seio dos lares das famílias. Atribuir a pedofilia ao matrimônio seria uma barbaridade. A discussão pode ser feita, mas o celibato é outra questão à parte. Pode-se discutir a conveniência ou não do celibato, que é uma tradição da Igreja Católica de rito latino, que se estabeleceu, em grandíssima parte, por conveniência da ação pastoral. Ou seja, pela necessidade de se ter um clero absolutamente dedicado ao ministério pastoral. Se alguém quer se dedicar plenamente e falta com sua palavra é um traidor. Por isso, já digo: você pode discutir (o celibato) justificando a natureza humana, mas não pela pedofilia”, ratificou Hortal.
Segundo o reitor da PUC-Rio, há um certo “machismo” na discussão sobre a imposição do celibato aos padres. “Enquanto não houver um estudo mais profundo sobre a permissão do casamento de sacerdotes, e se isso vai resultar num melhor entendimento pastoral, eu acho que não se deve mudar nada. Não há estudos bem claros sobre isto, com toda sinceridade. Além disso, há dois pontos que me chamam a atenção. Primeiro: escândalos na vida matrimonial acontecem entre pastores protestantes com bastante frequência. O clérigo casado teria o mesmo problema. Segunda questão: por que falam tanto do celibato sacerdotal e ninguém questiona o celibato das freiras, que são muito mais numerosas na organização da Igreja? É uma clara manifestação do infeliz machismo presente na nossa sociedade. A mulher pode, o homem não? O homem é macho, não pode ficar sem uma fêmea ao seu lado, pensa a maioria”, reiterou.
O padre, que também é teólogo, considera o sexo um complemento do casamento, não sua única finalidade. “Numa sociedade hiperssexualizada como a nossa, onde o sexo – como puro mecanismo fisiológico de procura do prazer, sem envolvimento afetivo e de entrega da pessoa – foi elevado à categoria de valor supremo, os escândalos de todos os tipos, dentro e fora da família, do clero ou de qualquer outro grupo continuarão a pipocar, cada vez com maior força. Urge, por isso, a necessidade de se resgatar o autêntico sentido do amor humano de doação no matrimônio.”
Durante visita a Santiago do Chile, em abril deste ano, o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, atribuiu ao homossexualismo os casos de pedofilia na Igreja. “Muitos psicólogos e muitos psiquiatras demonstraram que não há relação entre o celibato e a pedofilia, mas muitos outros constataram que há relação entre a homossexualidade e a pedofilia”, declarou.
Vaticano faz mea culpa
Segundo o professor Jorge Cláudio Ribeiro, doutor e professor em teologia da PUC de São Paulo, as religiões sempre foram altamente afetadas pelas transformações e, por isso, elas têm que acompanhar o tempo. “As religiões têm que dizer alguma coisa para as pessoas. Elas precisam acompanhar o tempo, senão perdem seus seguidores. O catolicismo tem suas variações, mas ainda é muito centralizado. Atualmente, fica claro que, numa sociedade pluralista, inclusive no campo religioso, fica muito difícil a Igreja Católica se afirmar como a única dona da verdade. A liberdade religiosa é um direito humano. O próprio Vaticano já não tem mais a ideia de que o mundo tem que ser acolhido sob o manto da Igreja Católica, até porque isso é impraticável”, afirmou.
Ribeiro cita os fortes questionamentos do bispo emérito Dom Clemente Isnard, de 92 anos, que, em seu livro “Reflexões de um Bispo – sobre as instituições eclesiásticas atuais”, se posiciona a favor da abolição do celibato, da ordenação de sacerdotisas e do uso da camisinha – como instrumento de prevenção contra doenças –, para mostrar a preocupação de muitos clérigos com a resistência da Santa Sé.
“Dom Clemente Isnard é um bispo respeitadíssimo. Um arcebispo emérito. Ninguém toca nele. Ele defende que a melhor solução para o recrutamento de futuros padres é abolir a regra do celibato, que é a raiz de todos esses males, e permitir a ordenação de mulheres, e que os bispos sabem disso, mas não têm coragem de admitir em público. Em minha opinião, com essa ideia (da Igreja Católica) de ser a única verdade, não foi à luta. Não reconheceu a concorrência. Ela ficou muito, e a ainda está, acomodada. Essa acomodação marcou o quanto a Igreja demorou a tomar uma atitude numa questão que a feriu mortalmente, que é a pedofilia. E é um problema que já acontecia há décadas”, concluiu.
Ao final da 48ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizada neste mês, a entidade, através de um documento, pediu perdão às vítimas de abusos sexuais cometidos por padres e bispos nos últimos anos. No texto, os líderes católicos do País defendem, ainda, a apuração rápida dos crimes e prometem rigor na ordenação de futuros eclesiásticos.
O papa Bento XVI assegurou, durante missa realizada em Malta, na Europa, no mês passado, que a Igreja “está fazendo e continuará fazendo” tudo o que estiver ao seu alcance para investigar as acusações, levar à Justiça os responsáveis pelos abusos e implantar medidas efetivas para preservar os jovens.
A reportagem tentou entrar em contato com os arcebispos do Rio de Janeiro e Minas Gerais, mas as assessorias de imprensa de ambas as arquidioceses alegaram que, por conta de inúmeros compromissos e viagens, os dois líderes não teriam como dar entrevistas.
Fonte: Arca Universal / Gospel Prime
Posted by Redator
on domingo, maio 30, 2010.
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